sexta-feira, 1 de maio de 2009

Odisséia, de Homero - Penélope

Como é sabido, Penélope, esposa de Ulisses, no texto homérico ‘A Odisséia”, é inspirada por Athena a tecer uma mortalha destinada ao corpo do velho Laertes, seu sogro. Uma mortalha para o corpo do pai de Ulisses, e, também limite mortuário para o corpo do esposo cuja ausência já se estende por vinte anos. Apaixonada e fiel ao seu marido, Penélope decidiu que o esperaria até a sua volta. Porém, perante a insistência de seu pai, e para não desagradá-lo, ela resolveu aceitar a corte dos pretendentes à sua mão, mas com uma condição: casaria somente após terminar de tecer a mortalha de seu sogro, Laertes. De dia, aos olhos de todos, ela tecia; à noite, desmanchava todo o trabalho. Penélope fia para sobreviver e, com isso, tece seu destino.

O ato heróico de Penélope só pode ser reconhecido exclusivamente por ela. O segredo é que sustenta sua espera. Reclusa em sua atividade, apenas Penélope pode reconhecer a dimensão do seu ato, valorizando, assim, seu heroísmo, porque, afinal, só a ela cabe bordar e desmanchar os pontos, seu ato sempre inconcluso.

A identidade de Penélope se estabelece na trama do bordado: lugar de onde partem todos os seus questionamentos frente ao mundo cerceador. Fazendo e desfazendo suas dúvidas, Penélope realiza a tessitura infinda da vida, da espera, da viagem pelos mares abissais da sua existência, uma circunavegação de si mesma.

A poeta baiana Myriam Fraga posiciona tanto Ulisses como Penélope em sua trama poética:

Há os que partem
E os que tecem,
Na urdidura das sombras
É Penélope
Mais astuta que Ulisses?
Quem dirá na surdina
Do heroísmo dos pontos,
O selvagem pontear
Das agulhas na carne?
São pontos de um bordado
Que não cresce
Que se renova apenas
Do que tece e destrói
Nos dedos que noturnos
Desenlaçam
O fio das meadas.
No entanto esta tarde é
Como um barco
Onde me ausento
De mim, de meus cansados
Molhes de pedra.
A angústia é meu timão,
Meu astrolábio
Nesta inquieta jornada.

Fonte: PENÉLOPE NA POESIA DE MYRIAM FRAGA: UM ARQUÉTIPO (DES)CONSTRUÍDO - Ricardo Nonato Silva (UFBA/FAPESB)

3 comentários:

  1. Penélopes somos todas nós aqui do Faísca da Pororoca, enredadas com um único argumento que é a eterna atualidade do tecido que tece para Ulisses-Michel. Os fios são de várias texturas: admiração, afeição, esperança, desesperança...
    Nosso Ulisses-Michel viaja, não tece... está ocupado na aventura de recolher pedaços-imagem de mundo.

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  2. Penélope tece, enquanto espera.

    E eu, enquanto espero, escrevo uns versos. Depois rasgo.

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