segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Regurgitofagia

Ser pisciano, judeu, carioca e poeta, é além da pulga como orelha viver o eterno e generalizado déjà vu. Não existem novidades no mundo. Moleza ouvir uma história e passar a acreditar que é sua. Mais: ouvir sobre um lugar, como por exemplo, Botucatu, e lógico, grande Botucatu, maravilhosa, conheço muito bem etc e tal. E o Flavinho? Ontem por exemplo fui a um bloco de carnaval. Entre as tetas da massa, este folião daqui ao perceber uma janela acesa no último andar do prédio fronteririço, imediatamente foi acometido de pungente nostalgia. Pude mesmo ver o velhote daquela janela - eu - do alto dos meus oitenta e poucos relembrando-me de mim ali no recôncavo da juventude, entre beijos e goles neste mesmo bloco de carnaval em que me vejo relembrando de mim aqui no bloco sendo assistido por mim ali... Então fui tomado de lembranças várias, dos carnavais passados, mulheres que amei, sonhos realizados e os que ficaram entreteias. Vi meus pais de mão dadas com meus filhos. Vi, enfim, como num Aleph do Borges - apenas que personalizado - todas as passagens da minha vida: da aranha tecendo entre os sonhos ao negro azul que te possuiu sob a árvore verde na madrugada, olhares de concupiscência, os malfeitores do bairro, a atriz inglesa que te vociferou insultou e bêbada te beijou a força e o irremediável amor pelas crônicas do Rubem Braga e por toda e qualquer literatura brasileira que fale de pequenos acontecimentos do dia-a-dia, como retratos, como por exemplo "eu contava do filme em que a mocinha bem tola dizia alguma coisa e você ficou me olhando como se...". E então tive a certeza da vida vã. E sorvi de um gole só meia lata de cerveja. E queimei os lábios ressequidos com um chá de hortelã. E entoei um samba. E bocejei com as mãos trêmulas. E beijei uma mocinha que já me conhecia. E minha velha postou a mão sobre meu ombro. E fiquei melancólico com o futuro. E sorri lembrando o passado. Você, que é um taurino, católico, dentista e baiano - correntista da Caixa; ou uma libriana mulçumana, publicitaria e gaucha - Banco Sandy e Junior; até mesmo um leonino, ateu , ator e paulista - Bank de Boston, saiba: é muito dificil ser pisciano, judeu, carioca e poeta - correntista do Itau. Ter a sensação de que tudo que acaba de dizer, já foi dito, foi pensado, esquecido.

(Michel Melamed)

8 comentários:

  1. toda vez que eu encontro um texto com esse do Michel eu fico pensando...meu deusssss estarei sempre pronta pra ler seus textos enquanto eu viver...A inserção de conteúdo cômico em modelos cristalizados de enunciação revela, pelo contraste, o quanto certas maneiras de dizer as coisas, que de tão repetidas nos parecem naturais, são na verdade arbitrárias e artificiais. Estes automatismos da linguagem, os pesos mortos que facilitam mas domesticam a expressão...são retratados por ele de forma brilhante...como a aninha disse uma vez as palavras dele nos "rasgam", penetram em nosso íntimo e se instalam em nossa alma...Ai,ai..

    BJÓks...

    By: jó

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  2. Que bom que está gostando Linda...que ótimo que tiramos a primeira impressão q teve sobre nosso Blog...Seja sempre bem vinda e comente sempre..ah se tiver alguma informação sobre ele e puder nos ajudar agradecemos..bjs

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  3. Imagens, sitações vividas ou não vividas. Espétaculos do cotidiano. Suposições do que ainda estar por vir.
    Vivemos assim, nesse misto de aventuras passadas e surpresas futuras.
    E, às vezes, uma se confunde na outra. Acabamos por relembrar coisas que ainda nem vivemos. Mas, como?
    Nossa mente talvez seja mirabolante o suficiente para arquitetar lembranças daquilo que pode acontecer ou não. Imaginamos o futuro ao mesmo tempo que relembramos o passado. E tudo se mistura.
    Depois, voltamos ao presente. E ficamos confusos. Até pensamos se as outras pessoas também sentem o mesmo que nós.
    Enfim, confesso: ser leonina, católica, recifense e estudante - poupancista da caixa, também não é nada fácil. Principalmente quando essa mesma leonina se atreve a escrever e dar uma de poeta.

    Um beijo,
    Aninha

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  4. Assim como tantos textos do Michel, eu acho esse formidável. O cara é muito bom.. só ele para ter essas idéias de juntar o passado, presente e futuro, e tendo como cénario: um bloco de carnaval.
    Meninas, existe alguma possibilidade do Michel voltar com essa peça?!
    Um beijo a todas!!

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  5. aline...regurgitofagia não sei mas soubemos q ele pretende passar o primeiro semestre em são paulo com homemica que também é excelenteeee

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